segunda-feira, junho 23, 2008

“A paz é a única forma de nos sentirmos realmente humanos” A.Einstein

Tragédias invisíveis
Conceição Freitas


O final feliz e imediato do seqüestro do bebê do Gama esconde duas tragédias. Uma, diretamente ligada ao caso. E outra, sem nenhum vínculo, exceto o de ter ocorrido no mesmo território. A primeira tragédia vinha de longo tempo, se agravou e perdurará, agora sob o peso de um crime de seqüestro. A professora de química Cláudia Regina de Souza Lacerda, 34 anos, mãe de três filhos, roubou o bebê para substituir um outro que havia perdido no sexto mês de gravidez. Afastada das funções de professora da rede pública por conta de uma depressão, fazia tratamento psiquiátrico e tomava remédios controlados. Seus três filhos, de um outro casamento, moram com a avó. O marido anterior a perseguia e espancava, tudo segundo os jornais de ontem. Temendo perder o atual companheiro, Cláudia decidiu ser ela mesma a divindade que lhe devolveria o filho. Mas, em algum momento, um raio de lucidez (ou de pavor, talvez) a fez tentar consertar o que de terrível havia feito. Felizmente, a tempo de a criança ser encontrada e devolvida com segurança aos pais. A tragédia silenciosa da vida de Cláudia se transformou numa gritante e implacável tragédia.
A segunda tragédia aconteceu bem longe do Gama, no Lago Oeste, um núcleo rural ao lado do Parque Nacional de Brasília, onde a violência já se instalou faz tempo. De outra ordem, essa tragédia não se fez acompanhar de nenhum final feliz. O seqüestro do bebê, pela comoção que provoca, acabou por esconder a gravidade do que aconteceu no Lago Oeste. O diretor da escola rural de lá, Carlos Ramos Mota, 44 anos, foi assassinado durante a madrugada, em sua casa, uma chácara no próprio Lago Oeste. Pelo que se leu nos jornais de ontem, Mota era um cidadão que exercia sua responsabilidade social de modo exemplar. Dizem os jornais que ele era um educador, na acepção mais intensa e verdadeira da palavra. "Ele queria transformar nossa escola na melhor escola rural do Distrito Federal, do Brasil e da América Latina", disse a vice-diretora, Margareth Filgueira. Carlos Mota era diretor da escola desde o começo do ano, mas nesse pouco tempo já tinha levado a seus 480 alunos projetos para despertar o interesse pela leitura, oficinas de trabalhos manuais e, o mais importante, educação em tempo integral. Já tinha organizado a biblioteca, inaugurado um laboratório de computação e uma sala multiuso para artes. Todos os dias, o diretor recebia os alunos na porta da escola e, na hora da saída, estava lá para deles se despedir. Entrava de sala em sala para os avisos de praxe, ensinava os alunos a se comportar em público e até, vejam a paciência, a bater palmas na hora certa. Suspeita-se de que ele tenha sido executado ou por gangues preocupadas com o banho de civilidade que o professor estava levando para o núcleo rural ou que tenha sido morto pelos traficantes, pelas mesmas razões. É de se esperar que a polícia dedique à busca dos criminosos o mesmo empenho dedicado à prisão da seqüestradora.

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